Grande parte de nossa alimentação provém dos vegetais; entretanto, utilizamos uma porcentagem mínima de espécies nativas ou adventícias que poderiam complementar a dieta ou mesmo a renda familiar. Sabendo-se que muitas pessoas hoje não tem acesso a uma alimentação nutritiva e equilibrada, aliando-se à rusticidade e fácil manejo, as plantas alimentícias não convencionais (PANCs) são espécies com grande importância ecológica, econômica, nutricional e cultural.
O termo PANCs foi criado pelo botânico Valdelly Kinupp, com objetivo de desmistificar preconceitos com plantas consideradas “daninhas”, ou mesmo com plantas desvalorizadas. Utiliza-se folhas, frutos, flores, raízes, sementes/amêndoas, brotos e palmitos. Para isso, basta usar a criatividade.
Estima-se que 35 mil espécies tenham potencial comestível, e hoje 90% da nossa comida vem de 20 espécies – mostrando que consumimos menos de 0,04% da biodiversidade. Vale ressaltar que somente na região metropolitana de Porto Alegre o pesquisador Kinupp encontrou 311 espécies comestíveis. Além disso, sabe-se que 25% da flora de qualquer bioma é comestível, quebrando mitos de que existem regiões pobres em alimentos.
No Brasil, os incentivos são voltados para monocultura, com quase nenhum apoio à agricultura familiar e ecológica. A monocultura é uma comunidade artificial, que visa unicamente o lucro e a alta produtividade. Ela anula a diversidade de espécies e diversidade genética, além de desequilibrar o sistema. Obedece ao ciclo: herbicidas > diminuição da diversidade de plantas > diminuição da diversidade de insetos > esgotamento de solo e baixa reciclagem do sistema > necessidade de fertilizantes > crescimento de ervas > herbicidas. A baixa diversidade de plantas provoca um maior ataque dos insetos e patógenos – pois não existe controle biológico – tendo como consequência o aumento do uso de pesticidas.
Com ecossistemas destruídos, comunidades ficam sem acesso aos alimentos locais, criando dependência de cultivos externos e até mesmo afastando-se de tradições culturais. Atualmente existe um oligopólio de grandes empresas na venda de sementes, homogeneizando os cultivos em todo mundo, mesmo perante a incrível diversidade de ambientes existentes.
Há necessidade urgente de inter-relação entre conhecimento científico e popular, além do estreitamento entre economia e biodiversidade, promovendo conservação dos nossos biomas de forma sustentável – com uso inclusive na alimentação.
As PANCs são, em sua maioria, rústicas. Adaptadas ao clima, tem baixa necessidade hídrica e baixa exigência de solo, sendo – inclusive – indicadoras de solo. O agrotóxico não é necessário para seu crescimento, pois ela é adaptada e conta com controle biológico, decorrente de ambientes biodiversos. Em resumo, tem manejo e cultivo fácil.
São extremamente importantes para a variação da nossa dieta, sendo muitas vezes mais nutritivas que os alimentos convencionais, a exemplo das urtigas e mamão-do-mato, que possuem de 3 a 5x mais cálcio que o espinafre (considerado fonte).
A Lei da Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346, de 15 de julho de 2006) fala sobre “A realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”, indo ao encontro da proposta das PANCs.
Criando demandas, estimulando o uso e divulgando conhecimentos você estará não apenas equilibrando a sua alimentação, mas também promoverá a soberania alimentar e o empoderamento de agricultoras e agricultores de menor escala. Mudar a alimentação também é um ato político.
O que teve na semana acadêmica?
-refrigerante de bananinha-do-mato (gravatá)
-refrigerante de picão preto, araçá e fruto de nopalea
– pão vegano de bertalha
– biscoito vegano de begônia com pasta de batata baroa e erva-pepino
– pizza vegana de guabiroba com broto de bambu
– fruto da costela de adão
– suco de uvaia
– bolo vegano de ananás com coco
– pastinha de leite com iuca
-quiche de caruru e maria pretinha
-quiche de buva
RECEITAS:
Refrigerante de picão preto, araçá e fruto de nopalea
-10 litros de água
-1 kg de açúcar refinado ou mascavo
-500 ml de suco de limão
-Folhas e ramos de picão preto (3 maços)
-Araçá à vontade
-Fruto do Nopalea à vontade (para dar cor)
Preparo:
Ferva a água com o açúcar, folhas e frutos por 30 minutos, ou até sentir que o caldo já saborizou. Desligue e adicione o suco de limão. Deixe esfriar completamente. Peneire e coloque em garrafa PET. Deixe em um ambiente seco e sombreado. A fermentação varia conforme o calor. No verão, em 2 dias geralmente está pronto. Para saber que fermentou, basta pressionar a garrafa. Se ela estiver dura, está na hora de tomar!
Obs1: depois de fermentar, guarde em geladeira para interromper a fermentação.
Obs2:para mudar o sabor do refrigerante, é só criar. O processo é o mesmo, sempre fervendo os alimentos na água para saborizar o caldo.
Pão de bertalha
Ingredientes:
1 xícara de água
2 xícaras de farinha de trigo refinada
1 xícara de farinha de trigo integral OU aveia
2 colheres de chá de sal
2 colheres de sopa de açúcar
2 colheres de chá de fermento biológico seco
1 punhado de folhas de bertalha
Preparo:
Bater as folhas de bertalha com a água morna no liquidificador. Misturar os ingredientes secos; adicionar o líquido e sovar até desgrudar da mão. Se necessário, corrigir com mais água ou farinha. Descansar até dobrar de volume. Colocar em uma assadeira e assar em forno médio, pré-aquecido, até dourar o pão ou até ele fazer som de “oco” ao bater (fora da forma).
Texto por Marilia Kelen e Luíza Machado.
Fotografias por Heitor Jardim.
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